Sou negro? — Miscigenação no Brasil e a problemática do pardo.

Thiago Vicente
6 min readJul 3, 2020

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fotos por Angélica Dass

Para fins de identidade, o debate sobre a questão do pardo no Brasil sempre foi um tema de pouca informação e muita discussão. Afinal, não sou branco, tenho traços negróides na forma do meu nariz e na textura do meu cabelo, mas não sou negro retinto. O que sou?

Antes de iniciar qualquer discussão a esse respeito, seria muito melhor definir raça como um conceito separado do racismo, mesmo que sejam tão entrelaçados:

Um censo americano de 1890 já utilizava termos denotativos para raça “branco”, “preto”, “chinês” e “índios”. Carlos Linneus (que criou o termo Homo Sapiens e foi precursor da taxonomia) cita quatro tipos de homem, os quais também atribuiu moralidade e quesitos de personalidade. Foram eles:

Americano | Vermelho, subjugável e de mau-temperamento.

Europeu | Branco, sério e forte.

Asiático | Amarelo, melancólico e ganancioso.

Africano | Preto, passível e preguiçoso.

O racismo científico existiu, puro e totalmente para justificar a existência da escravidão. Stephen Jay Gould traz referências dessas teorias no livro “A Falsa Medida do Homem”, segundo ele, os estilos pré-revolucionários desse tipo de racismo acadêmico, mas baseado numa irrealidade científica poderiam ser divididos em: Monogenismo (Todos os seres humanos descendem de Adão e Eva, e sofreram degenerações que encadearam em outras raças, como a negra. Tal tipo de afirmação fazia possível o pensamento de que um negro poderia “desenegrecer” se fosse colocado numa certa região e adepto de certos costumes) e Poligenismo (os negros não eram da mesma descendência de Adão e Eva, logo, se tratavam de outra raça biológica de ser humano.).

O conceito de raça então, na sua primeira conjuntura, é definido por teóricos brancos e sem nenhum compromisso com a realidade. Porém a raça, como conhecemos hoje, tem uma variedade de definições, entre elas a mais aceita de que se trata de um grupo de pessoas que compartilham das mesmas características fenotípicas e morfológicas. Mesmo assim o termo Raça é um termo não científico, as condições de raça e de significado biológico só podem ser dadas a animais. A diferença genética entre um africano retinto e um branco nórdico compreende apenas 0,005% de seu genoma, ou seja, do ponto de vista genético, raça não existe. Quando falamos de racismo, estamos falando estritamente de condições sociais, o racismo só existe porque o ser humano branco originou o racismo, não há explicações biológicas para o racismo.

Tendo em vista o conceito estritamente social de racismo, quando falamos de raça estamos falando também de identidade, fenótipos e ancestralidade, e não apenas de cor, todas as racialidades tem tonalidades claras ou escuras. Sabendo disso agora, fica a grande questão: pardos são negros ou são uma nova super-raça que nasceu da miscigenação?

E eu digo, que a pergunta não deveria ser se pardos são negros, e sim: porque pardos não são vistos como negros?

No Brasil, a miscigenação surge da opressão sexual e da permanência dos brancos europeus no Brasil, desde a época de colonização. E a intensidade dessa miscigenação começa a ser notada num contexto pós-Abolição da Escravatura.

Os pensadores da época, confrontando o “fim” de um sistema escravista, tem o desafio de criar uma identidade nacional considerando negros como cidadãos. O pensamento racial nessa época se resumia a diminuir o obstáculo que era não ter um pensamento de totalidade branca, o perigo da mestiçagem.

Mulata na Rua Vermelha, de Di Cavalcanti

Com a imersão de negros como “homens livres” na sociedade brasileira, foi necessária uma barreira para que essas influências negras pudessem “estragar” o caractere brasileiro. Disso, surge uma tentativa constante e impulsiva de branqueamento. Ou seja, aniquilar características de negros da miscigenação — Aos negros de pele mais clara, descendentes de brancos, era dado um status social de privilégio quanto aos negros retintos, mas ainda sem ser um privilégio branco. Éramos tolerados, não aceitos. Denotando talvez, a preocupação do pai branco com seu filho “moreno”—

O resultado desse caráter social quanto ao mestiço e a valorização do negro com menos traços negróides reflete então, tanto na época quanto atualmente, em negros não racializados, falta de formação de identidade e do sentimento de solidariedade entre o coletivo negro no Brasil, o mito de Democracia Racial, e o Colorismo (ou Pigmentocracia).

Segundo Oracy Nogueira, o preconceito racial acontece em duas vertentes:

. a de origem, vista nos Estados Unidos, que considera a ascendência do indivíduo como indicador da sua raça — Isso ocorre nos Eua por conta da divisão, desde o início, em uma binariedade de Negros e Brancos. Teóricos de raça americanos (obviamente segregacionistas) se dividiam entre os de linha dura, que acreditavam na posição de inferioridade total e biológica do negro quanto aos brancos, e os de linha branda que, não aceitavam negros mas que acreditavam que eles poderiam ter comportamentos devidos, associados ao jeito branco de viver. Contanto nas duas negros seriam sempre negros e branco brancos, sem intersecções. —

. a de marca, que se refere ao preconceito racial visto no Brasil, que se dá intrinsecamente ligado à aparência. Tanto o preconceito ligado estritamente a cor, como o Colorismo (quanto mais escura uma pessoa for, mais preconceito ela sofrerá), e o próprio apagamento das principais características negróides da representatividade quanto dos padrões de beleza — O negro de pele escura no Brasil tem menos direitos que o de pele branca, e isso é indiscutível — .

Dado essas vertentes, e a situação brasileira diante do racismo, é possível afirmar que, afirmando pessoas miscigenadas como algo “interseccional”, o objetivo principal da branquitude é de embranquecer o negro não-racializado, marcá-lo como representante de um “Paraíso Racial” no Brasil.

O que brancos querem afirmando pessoas como pardas é estruturar uma idéia de Democracia Racial, onde há uma ilusão de representatividade do negro em todos os espaços, sem assumir o negro mais retinto, a branquitude “ao basear seus graus de receptividade do negro a depender da cor da pele, não demonstra qualquer interesse na problematização da questão racial ou mais ainda, não induz qualquer entendimento no sentido de desenvolver mecanismos destinados a combater a desigualdade racial” (segundo Tainan Maria Guimarães Silva e Silva). O ideal do colorismo não é aceitar negros claros como brancos, e sim apagar negros retintos como pessoas. No mais, o colorismo atrasa o processo de racialização.

No Brasil, ao contrário do que geralmente se pensa, repensar sua raça de pardo para negro não se trata de querer tomar a luta dos nossos irmãos que sofreram mais pelo tom de pele, mas reinvindicar seu papel de negro na sociedade, e assim, ressignificá-lo. Expor o mito de democracia racial no Brasil, mostrar quem não é posto sob a luz das mídias, e principalmente, construir uma identidade racial e unida da negritude.

Segundo dados do IBGE em 2017, pessoas autodeclaradas pardas equivalem à 46,7% dos habitantes do Brasil, enquanto autodeclarados brancos equivalem à 44,2% e autodeclarados negros 8,2%. O IBGE, porém, considera a classificação de negros como a soma de pardos e negros, por questão de similiaridade na situação sócio-econômica entre estes grupos, que os afastam dos padrões brancos. A mestiçagem e negação do negro representa uma erradicação da identidade afrodescendente no brasil.

A mestiçagem oferece, em linhas gerais, a oportunidade de branqueamento para pardos, tal qual como se a negritude se tratasse de uma doença que pode ser curada “melhorando a linhagem genética”. A negação do pardo como negro revigora a miscigenação como uma das provas da “não existência do racismo” na sociedade.

Retomar sua negritude é além de tudo, uma estratégia de combate ao mito de democracia racial, a possibilidade de utilizarmos nossas vozes para levantar as questões de um movimento necessário como o Movimento Negro. A negritude é um conceito de caráter político. Negar a existência de uma negritude parcial, entender que seus fenótipos raciais negróides como cabelo crespo, lábios grandes, são parte de uma identidade e resistência racial é extremamente necessário.

No final, se trata de não ser, afinal, branco.

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